Palavra de Deus, fundamento da Cultura de Pentecostes.

23-10-2010 00:07

 

Palavra de Deus, fundamento da Cultura de Pentecostes

 

 

Em minha pregação realizada no dia 15 de julho de 2010, durante o Congresso Nacional da RCCBR, em Belo Horizonte, refleti sobre a "Palavra de Deus, fundamento da Cultura de Pentecostes." Estou disponibilizando abaixo, o texto que elaborei para a reflexão do tema apresentado.

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Em tempos de militância apostólica e conscientes da responsabilidade de fecundar a civilização do amor através da Cultura de Pentecostes, torna-se urgente solidificar os fundamentos dessa missão a nós confiada pelo sucessor de Pedro, o papa João Paulo II.


Referimo-nos ao discurso dirigido aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, durante o Pentecostes de 1998, em Roma, em que o papa alertava sobre a presença no mundo de uma “cultura secularizada que fomenta e difunde modelos de vida sem Deus”, e onde “a fé de muitos é posta à dura prova e, não raro, é sufocada e extinta”. Quatro anos mais tarde (2002), dirigindo-se à delegação da Renovação no Espírito Santo, da Itália, eleva um clamor: “No nosso tempo, ávido de esperança, fazei com que o Espírito Santo seja conhecido e amado. Assim, ajudareis a fazer que tome forma aquela ‘cultura do Pentecostes’, a única que pode fecundar a civilização do amor e da convivência entre os povos.”

O imperativo “fazei”, aqui utilizado, imprime no Movimento Carismático a responsabilidade de tornar o Espírito Santo conhecido e amado. Esse clamor vem das profundezas de um coração apaixonado pela humanidade e está carregado de uma esperança detectada da presença e ação do Espírito Santo na Renovação Carismática Católica.

Mas, e hoje, passados oito anos daquele clamor petrino ecoado desde Roma, estamos de fato, imbuídos dessa vocação a nós delegada de “dar forma aquela cultura do Pentecostes” em nosso tempo? Como podemos responder objetivamente à este apelo papal? Não nos inquieta essa honrosa responsabilidade de ter que fecundar a cultura de Pentecostes em nossa sociedade? Mas será que ao menos já conseguimos apreender objetivamente o significado de “Cultura do Pentecostes”? E onde fundamentada-se essa tal Cultura?

Obviamente, não teremos aqui tempo suficiente para responder a todas essas questões, que merecem uma ampla pesquisa e reflexão. Mas ao menos queremos “nos provocar” sobre duas questões essenciais: 1) Alguns elementos que ajudam a configurar a Cultura de Pentecostes; 2) O fundamento da Cultura de Pentecostes.


1. Elementos que ajudam a configurar a Cultura de Pentecostes

O antropólogo Edward Burnett Tylor define cultura como sendo “a identidade própria de um grupo humano em um território e num determinado período.” Poderíamos dizer ainda que culltura corresponde às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração para geração que, a partir de uma vivência e tradição comum, se apresentam como a identidade desse povo.

Mas seria realmente possível falar em uma Cultura de Pentecostes vivida pelos cristãos? É possível detectar no evento Pentecostes narrado por Lucas (At 2) e em sua continuidade histórica (vida das comunidades cristãs primitivas) os elementos daquilo que compreendemos ser uma legítima cultura? Obviamente.

Encontramos sem muitas dificuldades, no Novo Testamento, elementos que denotam a existência de uma autêntica cultura de Pentecostes.

Identidade própria: Amor recíproco (vejam como eles se amam); aos inimigos; pela vida no Espírito (todos ficaram cheios do Espírito Santo); adesão a Jesus como Senhor;

Em um território: Em Jerusalém (At 2; 4,25-31), Samaria (8,14-17), Cesaréia (At 10,44-48; 11,15-17) Éfeso (At 19,1-6).

Determinado período: A partir da festa do Pentecostes em Jerusalém

Formas de organização de um povo: Em comunidades, multidão de fiéis, apóstolos, mestres, doutores, profetas, bispos, presbíteros, diáconos etc.

Costumes e tradições transmitidas: anúncio da Palavra; oração; celebração do batismo e da eucaristia; catequese e profissão do credo apostólico; jejum; caridade aos pobres; perdão etc.

2. O fundamento da Cultura de Pentecostes.

Onde estaria fundamentada a “Cultura de Pentecostes”? O evento Pentecostes coroa o mistério pascal de Cristo com a realização da efusão do Espírito Santo. (cf. CIC 731). Pentecostes, portanto, não é um acontecimento isolado na história. Embora Lucas evidencie o protagonismo do Espírito Santo em Pentecostes, o que marcará a vida da comunidade de “batizados no Espírito Santo” é o fato de reconhecerem o cumprimento da promessa feita pelo próprio Jesus. (cf. Jo 14,16; At 1,8) “Doador” e “Dom”, numa missão conjunta tornam-se fundamento da cultura que daí resultará. O Espírito Santo é a alma (ânima) e Jesus (Verbo encarnado – Palavra de Deus Revelada) o alicerce, segundo as palavras do apóstolo Paulo (cf. 1Cor 4,9-16), que juntos sustentam e tornam viva e atuante a cultura de Pentecostes.

Palavra de Deus, fundamento

“Quanto ao fundamento, ninguém pode por outro diverso daquele que já foi posto: Jesus Cristo.” ICor 4,11



"A Palavra de Deus é o sujeito que move a história, inspira os profetas, prepara o caminho do Messias, convoca a Igreja." Bento XVI, em 6 de dezembro de 2009.

“A Escritura é palavra de Deus, pois foi escrita sob inspiração do Espírito. A Tradição é também palavra de Deus. Deve-se receber e venerar as duas com o mesmo amor e o mesmo respeito.” (DV 9). Para o nosso tema, Palavra de Deus será entendida segundo essa definição católica, obviamente.

Deus fala segundo a cultura própria de cada época, revelando-se a seu povo, chegando à plena manifestação de Si mesmo no Filho encarnado. (GS 58-59). O Evangelho de Cristo renova continuamente a vida e cultura do homem decaído, e combate e elimina os erros e males nascidos da permanente sedução e ameaça do pecado. Purifica sem cessar e eleva os costumes dos povos. Fecunda como que por dentro, com os tesouros do alto, as qualidades de espírito e os dotes de todos os povos e tempos; fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo .

A Palavra de Deus pede para entrar como fermento num mundo pluralista e secularizado, nos 'areópagos modernos' (cf. At 17,22) da arte, da ciência, da política e da comunicação, levando “a força do Evangelho ao coração da cultura e das culturas”, para as purificar, elevar e fazer delas instrumentos do Reino de Deus.

A Palavra de Deus entrelaça a sua história com a história humana, faz-se história humana, pelo que a nossa história de homens não é, portanto, composta exclusivamente de pensamentos, palavras e iniciativas humanas. A Palavra de Deus deixa traços vivos na natureza e na cultura, ilumina as ciências do homem para que assumam o seu justo valor, mas por estas ela também é ajudada a pôr em evidência a sua identidade e, ao mesmo tempo, a irradiar o original humanismo que lhe pertence.

A palavra de Deus fundamenta a cultura de Pentecostes

Se desejamos de fato ver a cultura de Pentecostes estabelecida em sua potencialidade, restaurando as demais culturas, precisamos fundamentá-la na Palavra de Deus. Significa “plantar o gérmen da fé na cultura” (Y.Congar), por meio da Boa Nova.

Por isso, é imperioso o anúncio do Evangelho! “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho”. A palavra de Deus é que dá forma à cultura de Pentecostes! Ela é “útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra” (2Tm 3,16-17).

As testemunhas do Evangelho, nesse sentido, devem ser autênticas. Vivemos numa cultura moldada pelo fictício, pela falsidade, pelo “virtual”. (avatares, second life etc.)

“O mundo reclama evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar como se eles vissem o invisível (Hb 11,27)”. EN 76


Emerge e renova-se aqui a tácita pergunta de Paulo VI: Acreditais verdadeiramente naquilo que anunciais? Viveis aquilo em que acreditais? Pregais realmente aquilo que viveis? As mesmas questões podem ser dirigidas ao contexto “Cultura de Pentecostes” por nós anunciado.

Sabemos que o mundo e a história estão cheios de sementes da Palavra (EN 80). Há quem use esta afirmação como álibe para não pregar o Evangelho, uma vez que estas sementes já foram espalhadas pelo próprio Senhor. Enquanto isso, a mentira e o erro, a degradação e a pornografia, são propostas com insistência, infelizmente, pela propaganda destrutiva dos meios de comunicação, pela tolerância das legislações, pelo acanhamento dos bons e pelo atrevimento dos maus.

O nosso mundo tem o direito de receber o anúncio da Boa Nova da salvação!

As últimas palavras de Paulo VI, na Evangelli Nuntiandi, servem-nos como conclusão de nosso tema:

“[...] Os homens poderão salvar-se por outras vias, graças à misericórdia de Deus, se nós não lhes anunciarmos o Evangelho; mas nós, poderemos salvar-nos se, por negligência, por medo ou por vergonha, ou por seguirmos idéias falsas, nos omitirmos de o anunciar? Isso seria, com efeito, trair o apelo de Deus que, pela voz dos ministros do Evangelho, quer fazer germinar a semente; e dependerá de nós que essa semente venha a tornar-se uma árvore e a produzir todo o seu fruto. [...] E que o mundo do nosso tempo que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa Nova ( a Palavra de Deus, fundamento da cultura de Pentecostes) dos lábios, não de evengelizadores tristes, desencorajados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram os que receberam primeiro em si a alegria de Cristo, e são aqueles que aceitaram arriscar a sua própria vida para que o Reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo.” (EN 80).

por Rogério Soares